segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Acidente vascular encefálico: conceituação e fatores de risco

372 Chaves MLF Rev Bras Hipertens vol 7(4): outubro/dezembro de 2000 Acidente vascular encefálico: conceituação e fatores de risco Márcia L. F. Chaves Resumo Pressão arterial e fumo são fatores de risco independentes para AVE, em ambos os sexos. A associação entre níveis pressóricos e risco de AVE não é linear e a pressão sistólica prediz mais AVE que pressão diastólica. Diabetes melito confere um risco relativo para AVE em torno de quatro a seis vezes. A incidência de primeiro AVE é duas vezes maior e mais precoce nos negros que brancos e não é, aparentemente, explicado por classe social. Risco de AVE é maior com anticoncepcional hormonal (ACO) de alta dosagem que os de baixa. História pessoal de migrânea associa-se com maior risco de AVE isquêmico. Mulheres migranosas que usam ACO e fumo apresentaram razão de chance de 34,4 para AVE isquêmico. Até 40% dos AVEs nas mulheres migranosas decorrem diretamente de um episódio de enxaqueca. Mudança do tipo ou freqüência de migrânea com uso de ACO, não prediz AVE. Manejo dos fatores de risco (hipertensão, fumo e hiperglicemia) reduz o risco de AVE. Mudanças nos fatores de risco explicam 71% da queda nos homens e 54%, nas mulheres da mortalidade por AVE. Ênfase continuada na promoção de estilos de vida mais saudáveis e no tratamento efetivo da hipertensão e demais fatores de risco, são essenciais para manter essa queda da mortalidade do AVE. Palavras-chave: Acidente vascular encefálico; Fatores de risco. Recebido: 20/9/00 – Aceito: 1/11/00 Rev Bras Hipertens 4: 372-82, 2000 Correspondência: Márcia L. F. Chaves Rua Fernandes Vieira, 181, ap. 802 – 90035-091 – Porto Alegre, RS Conceituação O acróstico AVE, acidente vascular encefálico (ou ainda AVC, de acidente vascular cerebral) é o equivalente do termo genérico inglês stroke, que descreve apenas o comprometimento funcional neurológico. As causas e, daí, as formas, de AVE são anóxico-isquêmicas (resultado da falência vasogênica para suprir adequadamente o tecido cerebral de oxigênio e substratos) e hemorrágicas (resultado do extravasamento de sangue para dentro ou para o entorno das estruturas do sistema nervoso central). Os subtipos isquêmicos são lacunares, ateroscleróticos e embólicos, e os hemorrágicos são intraparenquimatosos e subaracnóide. A aterotrombose é a principal causa de AVE. Nos anos 30, um estudo de autópsias1 indicou que mais de 70% dos casos de AVE se deviam à aterosclerose e apenas 3% à embolia. Nos anos 60 e 70, estudos prospectivos, como o Framingham2, identificaram os infartos aterotrombóticos (aterotrombose de grandes vasos e infarto lacunar) também como a causa mais comum (44%), seguida de embolia cerebral (21%) e hemorragia intracraniana (12%). O Harvard Coopera373 Chaves MLF Rev Bras Hipertens vol 7(4): outubro/dezembro de 2000 tive Stroke Registry também identificou infarto trombótico como a causa principal de AVE, com 36% atribuídos à estenose ou trombose de grandes vasos por aterosclerose. Esta coorte foi a primeira a incluir lacuna como diagnóstico isolado, com incidência de 17%. Pela utilização de critérios mais modernos, 31% foram diagnosticados como embolia, 10% como hematoma intracraniano e 6% como hemorragia subaracnóide3, mas ainda não continha uma categoria separada para infartos cujas causas permaneciam indeterminadas. Em 1968, um grupo francês relatou 28% de casos de infarto de causa indeterminada4. Esses estudos reforçaram a visão de que embolia é forma comum de AVE. As exigências tradicionais de fibrilação atrial e doença cardíaca valvular para esse diagnóstico foram suplementadas por dados angiográficos, mostrando oclusão de ramos intracranianos em relação a exame normal realizado antes do AVE. Mais recentemente, a incidência de estenose ou oclusão carotídea de alto grau como causa de AVE isquêmico diminui ainda mais pelo uso de Doppler e ressonância magnética, aumentando a freqüência relativa de embolia, especificamente cardíaca5. Com expansão das técnicas diagnósticas, a categoria de causa desconhecida, o chamado infarto criptogênico, foi melhor definido3. Ocorre quando estudos convencionais de imagem cerebral não identificam infarto, mas o Doppler ou a angiografia não descartam estenose extra ou intracraniana, a avaliação cardíaca não mostra fonte nesse órgão, ou a procura por doenças sistêmicas não evidencia estados pró-trombóticos. O desfecho negativo da avaliação convencional não é incomum, e o AVE criptogênico pode contribuir com 30% ou mais dos casos. Outra categoria proposta é a patologia arterial tandem, que se refere a infartos com mais de um sítio de doença (tandem, do latim par) ao longo do trajeto das artérias que suprem a região cerebral onde ocorreu o infarto3. O acréscimo dessas duas categorias reduziu a freqüência de AVE aterosclerótico para valores em torno de 6%. Esses achados, com ênfase no diagnóstico de embolia e na prevenção de recorrência, reforçaram a importância de diagnosticar-se subtipos de AVE. As terapias emergentes exigem maior diferenciação de subtipo de evento isquêmico para possibilitar interrupção efetiva e segura do AVE, na fase aguda, e prevenir recorrência. Dados comparáveis estão aparecendo lentamente em outros países, mas ainda não se conhece a distribuição mundial dos subtipos de AVE. O aumento do interesse em chegar ao diagnóstico do subtipo isquêmico decorre dessa mudança de visão, pois poderá orientar a escolha de terapias específicas para subtipos. Um outro efeito é a substituição do conceito anterior de entidade única para o de conjunto de transtornos, como ocorre com nosologias infecciosas e neoplásicas. Fatores de risco AVE é a segunda causa de morte em todo o mundo, excedida apenas por doença cardíaca6. A incidência anual de AVE nos EUA é de aproximadamente 500 mil, com um total de mais de 3 milhões de sobreviventes na metade da década passada7. Nas últimas décadas, estudos de métodos mais acurados, têm identificado riscos não modificáveis bem como modificáveis para AVE isquêmico e hemorrágico. A identificação e o controle de fatores de risco visa à prevenção primária de AVE na população8. Os fatores de risco para primeiro AVE e recorrência estão apresentados na tabela 19. Além de identificar fatores de risco para primeiro AVE, caracterizar determinantes de recorrência e mortalidade após evento isquêmico, passou a ser base das estratégias de prevenção secundária, pois a recorrência de AVE ainda é a maior ameaça para qualquer sobrevivente. Um dos principais objetivos do Serviço de Saúde Pública dos EUA para o ano 2000 foi reduzir as mortes por AVE para menos de 20 por 100 mil, que em parte pode ser alcançado pela redução da recorrência. A freqüência e os determinantes de recorrência ainda são pouco entendidos7. As taxas de incidência variam dramaticamente de uma população para outra, motivo para que se investiguem as causas em todo mundo. Muita dessa heterogeneidade de incidência de AVE pode dever-se a diferenças de prevalência de fatores Tabela 1 – Fatores de risco estabelecidos para AVE Riscos modificáveis Riscos não Outros modificáveis Hipertensão Idade Álcool Diabetes Sexo Anticorpo antifosfolipídeo Fumo Raça Homocisteína elevada Fibrilação atrial Etnia Processo inflamatório Outras doenças cardíacas Hereditariedade Infecção Hiperlipidemias Sedentarismo Estenose carotídea assintomática Ataques isquêmicos transitórios 374 Chaves MLF Rev Bras Hipertens vol 7(4): outubro/dezembro de 2000 de risco, mas algumas populações têm incidência mais alta que a prevista pelos níveis de exposição àqueles fatores10, sugerindo que outras características, como as genéticas, devem ser responsáveis por essas diferenças. Hipertensão arterial A hipertensão é o principal fator de risco para AVE10,11, estando associada à doença de pequenas e grandes artérias. O risco imposto pela hipertensão é maior para insuficiência cardíaca e AVE, mas nos países do hemisfério norte-ocidentais, a doença coronariana é mais comum e letal. Ainda não está claro se a pressão diastólica elevada ou hipertensão sistólica isolada apresentam riscos distintos, mas a excessiva valorização da pressão diastólica para avaliar risco pode ser inadequada na idade avançada. A avaliação da relação entre hipertensão sistólica isolada e outros fatores de risco com subtipos de AVE isquêmico e hemorrágico em idosos demonstrou associação de idade, fumo, diabetes, pressão sistólica elevada, baixo colesterol HDL e anormalidades eletrocardiográficas com incidência aumentada de AVE genérico, AIT, ou AVE isquêmico. A hipertensão sistólica isolada, a história de diabetes e o fumo constituíram os fatores de risco para AVE lacunar, enquanto o sopro carotídeo foi fator de risco para AVE aterosclerótico e idade para o embólico12. Ambas pressões sanguíneas podem conferir risco significativo, mas a sistólica sobrepujou a diastólica. O risco, entretanto, só foi evidenciado claramente no percentil de 40% superior da pressão arterial, ou seja, até o percentil 60% não se evidenciou risco (associação não-linear, vide artigo de magnitude do risco)13. Em orientais, a associação entre pressão arterial diastólica e incidência de AVE parece ser mais intensa que entre ocidentais, talvez devido a maior incidência de eventos hemorrágicos, conforme demonstrou análise conjunta de inúmeras coortes14. A diferença de incidência de AVE entre países da Europa Ocidental e Oriental parece ser predominantemente devida a maior prevalência de hipertensão na Rússia15. No Brasil, a hipertensão arterial é o fator de risco mais importante para doença cerebrovascular, cuja estimativa de prevalência está em torno de 11% a 20% acima dos 20 anos e 35% acima dos 50 anos. Em torno de 85% dos pacientes com AVE são hipertensos16. Diabetes melito O diabetes é um importante fator de risco para o desenvolvimento de doença cerebrovascular, especialmente infarto cerebral aterotromboembólico. Os mecanismos etiopatogênicos de AVE e AIT nos diabéticos se devem a alterações da hemodinâmica cerebral, à hiperglicemia e a outros fatores de risco associados17. O diabetes constitui risco para AVE por mecanismos aterogênicos diretos e por interagir com outros fatores de risco, como hipertensão e hiperlipidemia18. Diversos estudos de coorte identificaram hipertensão, doença cardíaca e sintomas e sinais de AVE mais freqüentemente em diabéticos. Entre estes, AVE ocorreu nos mais jovens e nos homens. Parece ser o segundo fator de risco mais importante para AVE, após a hipertensão arterial, havendo potencialização de risco pela combinação de diabetes, hipertensão e dislipidemia18. Entre diabéticos, o risco relativo de AVE é em torno de 4 para homens e de 6 para mulheres. Caso-fatalidade é similar entre homens diabéticos e não diabéticos, mas mulheres diabéticas parecem apresentar pior evolução que as não-diabéticas. A mortalidade em relação à população geral é 4 vezes maior para homens e 5 vezes para mulheres, com risco atribuível na população de 18% para homens e 22% para mulheres. Em um estudo sueco, em torno de 50 AVEs por 100 mil pessoas/ano foram diretamente atribuídos ao diabetes19. Em um estudo finlandês, o risco relativo de morte por diabetes foi diferente entre os indivíduos que já iniciaram o estudo com diabetes e aqueles que a desenvolveram posteriormente20. Na China, a prevalência total de DM e de intolerância à glicose foi de 33,5% e 21%, respectivamente, entre pacientes com AVE, sendo maior naqueles com infarto cerebral. Em vista da alta prevalência de diabetes não diagnosticada entre pacientes com AVE e morbidade e mortalidade aumentadas associadas com DM, recomenda-se rastreamento para DM em todos os pacientes com AVE isquêmico21. Fumo Muitos estudos epidemiológicos têm estabelecido que o fumo é um fator de risco importante para AVE, sendo sinérgico à hipertensão, ao diabetes melito, à intolerância à glicose, à idade, à hipercolesterolemia e à doença cardiovascular preexistente22. Aceita-se, atualmente, que o fumo por si só tem um efeito causal direto para AVE, cuja relação com aterosclerose já havia sido relatada em 1908 por Buerger23. O estudo Framingham foi um dos primeiros a demonstrar a associação entre fumo e tipo de AVE, número de cigarros fumados e o efeito de parar de fumar24. Fumantes de mais que 40 cigarros/dia apresentaram risco relativo 2 vezes maior que fumantes de menos que 10 cigarros/dia. Parar de fumar reduz o risco de forma já significativa após 2 anos, atingindo o patamar de não-fumante em 5 375 Chaves MLF Rev Bras Hipertens vol 7(4): outubro/dezembro de 2000 anos24,25. Fumantes leves retornam a valores de não-fumantes, mas fumantes pesados permanecem com o dobro do risco26. O fumo contribui independentemente para a incidência de AVE com maior risco para hemorragia subaracnóide, seguido por infarto cerebral27. O fumantes pesados mostram risco relativo de AVE 2 a 4 vezes maior que nãofumantes22,24. Em uma coorte de 22.071 médicos americanos, o risco relativo de fumantes de menos que 20 cigarros/dia para AVE não-fatal foi de 2,7 e de AVE fatal de 1,528. O que permanece inconclusivo é a associação entre número de cigarros e aumento do risco. Alguns autores sugerem que exista uma relação linear, principalmente para fumantes de mais de 20 cigarros/dia e para idosos24,26,28- 30. É possível que exista associação entre o fumar passivo e a hiperplasia da íntima, aumentando potencialmente o risco de AVE26,31. Trocar cigarro para cachimbo ou charuto confere pouco benefício, pois fumantes secundários ainda apresentam risco aumentado similar ao de fumantes leves22. Ex-fumantes mostram menor prevalência de estenose da artéria carótida interna que fumantes ativos26. A coexistência de fumo e hipertensão potencializa o risco de doença cerebrovascular. A redução do risco de AVE pelo tratamento farmacológico da hipertensão é muito maior em hipertensos leves não-fumantes que em fumantes com hipertensão leve, destacando a importância do fumo32. Assim, espera-se maior benefício de parar de fumar em fumantes pesados que são hipertensos24,29.Todo fumante reduzirá o risco de AVE isquêmico ao parar de fumar, independente do tipo de exposição prévia33. No Brasil, é fator de risco muito importante para doença cerebrovascular e AVE, pois o consumo de cigarros cresceu 10 vezes entre 1935 e198516. Fibrilação atrial A fibrilação atrial (FA) é importante causa de morbidade e mortalidade na população. Sua prevalência dobra a cada década de idade, de 0,5% aos 50 a 59 anos a quase 9% aos 80 a 89 anos, sendo 1,5 vezes mais incidente em homens34. Hipertensão e diabetes foram preditores independentes de FA, mas fumo o foi somente em homens. A presença de FA aumenta o risco de AVE em 4 a 5 vezes. O risco atribuído para AVE associado a FA aumenta de 1,5% aos 50 a 59 anos para 23,5% aos 80 a 89 anos. A fibrilação atrial aumenta a mortalidade em quase duas vezes em ambos os sexos, mesmo ajustada para condições cardiovasculares e idade34. Cardiopatias, especialmente isquêmica recente e hipertensão, são fortemente associadas com maior risco de FA35. Sem tratamento anticoagulante, pacientes com doença reumática valvular mostram risco anual de AVE de 4%. A presença de FA sem outros fatores de risco concomitantes ou doença cardíaca estrutural propicia menor risco. Uma metanálise demonstrou que anticoagulação oral reduz em 64% o risco de AVE. O valor dessa terapia em pacientes com mais de 75 anos de idade é menos clara porque existe maior risco de complicações hemorrágicas36. A varfarina em baixas doses com aspirina não reproduz os efeitos da anticoagulação plena37. A anticoagulação monitorizada com doses ajustadas pelo índice normalizado internacional (INR) tem se mostrado muito segura38,39. Raça e fatores socioeconômicos Taxas de incidência de primeiro AVE têm sido determinadas em diferentes populações caucasianas40,41. Estudos em populações negras são difíceis de interpretar em função de inconsistências metodológicas42,43. Nos EUA, a incidência de AVE entre negros foi duas vezes maior44, assim como a mortalidade do AVE também foi maior nas pessoas negras tanto nos EUA como na Inglaterra45,46. Na Inglaterra, a associação entre etnia e incidência de AVE em imigrantes caribenhos42,47 e nos residentes com menos de 75 anos48 também foram identificadas. A incidência de AVE, ajustada para idade-padrão da população européia, foi de 1,25 por 1.000, sendo menor que a descrita 10 anos antes (1,6 por 1.000)41, encontrando-se dentro da variabilidade registrada na Europa e Nova Zelândia40,49- 51. A hemorragia intracerebral primária foi o subtipo cuja razão de incidência negro:branco é maior, mas negros mostraram mais relação com todos os subtipos48. Diferença de classe social entre etnias poderia contribuir para esses achados, já que não controlou-se para classe social na imensa maioria dos estudos sobre incidência de AVE em negros. Apesar de se ter tentado controlar no estudo de Londres, vários problemas metodológicos persistiram, mantendo-se a associação entre etnia e incidência de AVE52. Embora o nível socioeconômico possa ter um papel na mortalidade por AVE entre os negros, maior parte ou todo excesso de risco pode dever-se a outros fatores. Influência de fatores genéticos, fisiológicos e comportamentais merece investigação. Maior prevalência de hipertensão e diabetes entre pessoas negras que entre brancas tem sido descrita, assim como diferente predisposição genética para hipertensão53,54. Diferenças étnicas isoladas nesses fatores de risco, no entanto, não parecem contribuir para o risco elevado de AVE entre os negros42,45. Apesar das taxas de caso-fatalidade serem comparáveis em estudos euro376 Chaves MLF Rev Bras Hipertens vol 7(4): outubro/dezembro de 2000 peus, elas não sustentam o papel de diferenças étnicas para a sobrevida de AVE40. Identificou-se maior prevalência de hipertensão, hipertrofia ventricular esquerda, obesidade, álcool e fumo entre negros e hispânicos que brancos nos Estados Unidos55,56. O menor grau de controle de hipertensão nestes grupos étnicos poderia ser uma explicação57, mas isto tem sido observado em todos os grupos socioeconômicos56. História familiar Embora história familiar de AVE seja geralmente percebida como marcador importante para risco de AVE, existe grande variabilidade de achados e poucos estudos epidemiológicos que avaliaram essa hipótese. História familiar de hemorragia subaracnóide foi identificada como fator de risco importante para essa hemorragia, mas não para hematoma intracraniano e infarto cerebral. Fatores genéticos apresentam papel importante na patogênese da hemorragia subaracnóide, sendo a história familiar o fator de risco independente mais forte58. A prevalência de AVE foi de 5% nos indivíduos com história paterna de AVE e de 4% entre os com história materna, comparativamente a 2% naqueles sem qualquer tipo de história. O risco foi independente de inúmeros fatores de risco, tais como idade, etnia e gênero, colesterol, fumo, doença cardíaca coronariana, hipertensão e diabetes59. A maior ocorrência de hipertensão e AVE foi observada nos pais de probandos hipertensos comparados com cônjuges, sugerindo que alguns dos fatores genéticos predisponentes a essas condições podem ser os mesmos e que exista um componente familiar de AVE independente de hipertensão60. Apenas recentemente, o AVE passou a ser considerado como um traço complexo e não como uma mera conseqüência da hipertensão, sendo o resultado da interação entre diversos fatores genéticos e ambientais. Em modelos com ratos espontaneamente hipertensos e propensos ao AVE evidenciou-se ser o AVE geneticamente determinado e que fatores como pressão arterial e dieta têm apenas papel permissivo. Descreveu-se que o gene de codificação do peptídeo atrial natriurético, ligado à base genética do AVE em ratos, é um determinante de AVE em seres humanos61. Anticoncepcionais orais Os anticoncepcionais orais (ACOs) são fatores de risco independentes para AVE isquêmico e hemorrágico, nas mulheres que fumam, que têm mais de 35 anos de idade ou que tenham história de hipertensão62-64, mas esse risco diminui nas que usam formulações de doses mais baixas (< 50 μg estrógeno)63. Mulheres que usam ACO de baixa dose não mostram aumento do risco de AVE, mas estudos complementares ainda são cabíveis, com controle a outros fatores de risco e aferição do uso de ACO no passado65,66. Entre mulheres com migrânea, o risco para uso atual de ACO de baixa dose foi 2,1 (IC 95%, 1,2-3,6) para AVE isquêmico e 2,2 (IC 95%, 0,8-5,4) para hemorrágico. O risco de AVE hemorrágico associado a ACO ainda está menos definido que para AVE isquêmico. Em estudo da Organização Mundial da Saúde62, o uso atual de ACO associouse com risco de AVE hemorrágico aumentado para hipertensas e levemente aumentado para mulheres com menos de 35 anos, sendo mais significativo nos países desenvolvidos mas não na Europa63. O uso passado de ACO não associou-se com risco. Estima-se que em torno de 13% de todos os AVEs nas mulheres com idade entre 20 e 44 anos na Europa e países desenvolvidos, são atribuídos ao uso de ACO62,63. A terapia de reposição hormonal pós-menopausa associou-se com redução da incidência de doença cardíaca coronariana em estudos observacionais, mas em relação a AVE, a maioria dos resultados foram inconclusivos. Estudos recentes mostram, consistentemente, elevação de risco de tromboembolismo venoso, nas mulheres pós-menopáusicas usando estrógenos orais. Poucos estudos foram realizados para avaliar os verdadeiros efeitos do regime combinado sobre coagulação sanguínea e fibrinólise, assim como o impacto da rota de administração do estrógeno na hemostasia. A reposição hormonal com estrógenos e progestágenos orais pode resultar em ativação da coagulação e aumento de ação fibrinolítica67. A adição de progestágeno não parece atenuar os efeitos cardioprotetivos da terapia estrogênica pós-menopausa68. Esse uso não foi associado com aumento ou diminuição no risco de AVE, o que parece ser consistente com a maioria da literatura69,70. A terapia de reposição hormonal mostrou efeito preventivo para AVE em mulheres mais velhas, mas os intervalos de confiança do estudo foram muito amplos, havendo necessidade de mais investigações71. A via transdérmica não parece ter efeito substancial sobre a hemostasia. O papel para a rota de administração foi levantado, especialmente para mulheres com risco para doença trombótica, já que usuárias de reposição oral podem ter maior risco de tromboembolismo venoso67. Migrânea A migrânea (enxaqueca) é um fator de risco para AVE isquêmico 377 Chaves MLF Rev Bras Hipertens vol 7(4): outubro/dezembro de 2000 entre homens72 e mulheres72-75. A migrânea clássica (com aura) pode apresentar mais risco que a migrânea simples (sem aura)74,76. Parece ser um fator de risco de base para AVE, que também age como precipitante agudo, porque alguns pacientes têm AVE durante uma crise de migrânea (AVE migranoso)77-79. A ocorrência relativa desses dois tipos de AVE na migrânea não é bem conhecida. A interação entre ACO e predisposição de AVE foi proposta por Bickerstaff, pois observou-se aumento de risco de AVE isquêmico em mulheres com migrânea que usavam ACO74. Um dos pressupostos de Bickerstaff era de mudança de padrão de migrânea antecedendo AVE naquelas que iniciavam ACO. Recomendou-se que mulheres deveriam parar de tomar ACO se suas cefaléias mudassem de simples (sem aura) para clássica (com aura)69,79. A história pessoal de migrânea foi associada ao aumento da razão de chance ajustada para AVE isquêmico, mas não para hemorrágico. As chances para AVE isquêmico associado com migrânea clássica não foram maiores que com migrânea simples. Em relação à interação com ACO, alguns estudos mostram efeitos multiplicativos da chance de AVE isquêmico puramente associado à enxaqueca80, ou para AVE isquêmico associado com migrânea e ACO de alta dose ou fumo74. Outros, ainda, não observam risco diferenciado para AVE isquêmico (trombótico) ou hemorrágico para a interação migrânea/ ACO81. Quanto ao tipo de migrânea, uma avaliação de AVE indiferenciado em homens e mulheres com menos de 45 anos identificou apenas migrânea clássica como risco provável75. Em uma coorte de homens médicos, enxaqueca, indiferente de tipo (simples ou clássica), associou-se com AVE indiferenciado e isquêmico82. Apesar dos conceitos de Bickerstaff sobre a mudança do tipo de migrânea precedendo o evento vascular, nenhuma evidência imperiosa foi encontrada79, e taxas de conversão de migrânea simples para clássica observadas em casos de AVE e seus controles foram as mesmas80. Uma grande proporção de mulheres que usa ACO também fuma62,81 e a razão de chance de 34,4 para AVE isquêmico entre mulheres migranosas que usam ACO e fumo é preocupação considerável80. Mulheres européias com migrânea apresentam risco 3 vezes maior para AVE isquêmico, nas quais até 40% dos AVEs parecem se desenvolver diretamente da crise de migrânea (AVE migranoso). Com base nesses dados, os autores sugerem que mulheres com migrânea devem ser fortemente aconselhadas a não fumar e a manter a pressão arterial controlada. Hipercolesterolemia Ao contrário da doença coronariana, relações diretas entre risco de AVE e colesterol sérico total ou LDL elevados, ou inversas com HDL colesterol não estão ainda bem estabelecidas. Parece existir relação inversa entre a concentração de colesterol total e hemorragia cerebral83. A razão mais convincente para a associação mais fraca é que a doença coronariana é atribuída a ateroma e menos da metade dos AVE é devido a ateroma de grandes artérias. As mortes por doença coronariana ocorrem em geral mais cedo que AVE, assim menos indivíduos com lipoproteínas elevadas e ateroma de grandes vasos, como da artéria carótida, chegam à idade de desenvolver AVE. Como não existem estudos para avaliar adequadamente o efeito específico da redução do colesterol em sujeitos que desenvolvem AVE, é necessário considerar dados dos ensaios de prevenção coronariana e de regressão de ateroma. Grandes ensaios clínicos demonstraram a capacidade de estatinas exercerem a prevenção primária e secundária de doença coronariana84-87. Os ensaios de prevenção secundária mostraram redução da incidência de doença coronariana e AVE não fatal84,85,88. A redução do risco de eventos cerebrovasculares semelhante à redução dos eventos coronários também já foi observada, mas o benefício ocorreu apenas para AVE não embólico e para AIT84, enfatizando maior probabilidade de redução dos eventos vasculares causados por ateroma de grandes vasos. Metanálises dos ensaios de prevenção coronariana, inclusive para regressão de pequenos ateromas, indicam que a redução do LDL colesterol reduz o risco global de AVE em torno de 30%, sem reduzir a mortalidade do AVE89,90. Ensaios clínicos em indivíduos assintomáticos e com doença coronariana mostraram que a redução do LDL colesterol, com um pequeno aumento do HDL, preveniu progresso detectável de espessamento da parede da carótida e reduziu o desenvolvimento de lesões novas91. Sedentarismo A hipótese de que o sedentarismo está associado ao risco aumentado de AVE em homens e mulheres foi avaliada em diferentes estudos. Uma investigação epidemiológica realizada nos EUA mostrou associação de baixa atividade física recreativa e não recreativa nas mulheres brancas com idade entre 65 e 74 anos com maior risco de AVE, ajustado para os demais fatores de risco92. Outro estudo foi realizado em uma amostra de base populacional maior e a atividade física (esporte, lazer e trabalho), classificada 378 Chaves MLF Rev Bras Hipertens vol 7(4): outubro/dezembro de 2000 por escores, mostrou correlação inversa com incidência de AVE. Ajustes adicionais para variáveis intermediárias reduziram a associação e maior atividade física mostrou apenas fraca associação com redução do risco de AVE isquêmico de forma independente93. Homocisteína No estudo Framingham, observou- se tendência linear significativa entre níveis basais de homocisteína e incidência de AVE, ajustada para os demais fatores de risco. Os níveis totais de homocisteína mais elevados parecem ser risco independente para a ocorrência de AVE em pessoas idosas94. Homozigose para a variante termolábil imperfeita da redutase metileno-tetraidrofolato, polimorfismo genético comum que leva à hiper-homocisteinemia, tem sido ligado a AVE ou outras doenças vasculares95. Em conclusão, o papel causal para níveis elevados de homocisteína na doença vascular, incluindo AVE, irá depender de dados de ensaios randomizados para a redução de níveis de homocisteína. Dada a alta prevalência da hiperhomocisteinemia, em populações aparentemente bem nutridas, e a tendência das concentrações de homocisteína elevarem-se com a idade, efeitos modestos da homocisteína no AVE poderão ter profundas implicações de saúde pública. Impacto da intervenção sobre fatores de risco A mortalidade devida ao AVE vem caindo na maioria dos países industrializados, nos últimos 20 a 30 anos96. Embora exista um universo de estudos sobre fatores de risco para AVE, ainda se sabe pouco sobre como e em que extensão as modificações nos principais fatores de risco – pressão arterial, concentração sérica de colesterol e fumo – podem explicar essa queda. Altos níveis pressóricos são os fatores de risco mais importantes para o desenvolvimento de AVE97,98. Ensaios randomizados de tratamentos para hipertensão mostraram que a queda de 5 mmHg a 6 mmHg da pressão diastólica média está relacionada com redução de 35% a 40% na mortalidade do AVE99,100. Homens e mulheres fumantes apresentam excesso de risco de AVE, que é crescente com o número de cigarros fumados27. Baixa concentração sérica de colesterol é um risco para hemorragia cerebral, mas não para hemorragia subaracnóide101,102, por outro lado, altos níveis de colesterol predizem infarto cerebral102-104. A existência de um efeito divergente em relação aos subtipos de AVE poderia explicar porque uma mesma concentração sérica de colesterol total não parece ser preditor para todos os AVEs97,98. As modificações nos fatores de risco explicaram 71% da diminuição observada na mortalidade do AVE nos homens e 54% nas mulheres, segundo estudo finlandês105. Em torno da metade dessa diminuição foi associada com a queda da pressão diastólica. Após correção para o viés de diluição sobre a pressão diastólica, pois as estimativas foram baseadas em uma única medida, a amplitude da queda observada de AVE foi de 86% nos homens e 84% nas mulheres100. O aumento do hábito de fumar ocorreu na grande maioria nos grupos etários mais jovens e em mulheres, o que pode ainda não ter afetado a mortalidade por AVE. Os resultados dos estudos de intervenção sobre pressão arterial sugerem que os benefícios do tratamento para baixar a pressão sobre a mortalidade do AVE ocorrem rapidamente e que o mesmo é visto dois anos após a interrupção do hábito de fumar99,106. Entre os homens, pressão arterial, concentração de colesterol e fumo contribuem para a queda observada na mortalidade do AVE em 52%, 16% e 13%, respectivamente, explicando 71% da redução da mortalidade por AVE. Embora o colesterol sérico não seja um preditor potente de AVE107, é o segundo risco em importância para explicar a queda na mortalidade de AVE nos homens. A maioria dos AVEs observados que ocorreram nos homens de meia-idade foram infartos cerebrais. Nas mulheres, o colesterol não predisse mortalidade por AVE. O tratamento com anti-hipertensivos em larga escala poderia explicar apenas parte da diminuição no valor médio de pressão arterial, já que a distribuição total de pressão foi desviada para valores mais baixos. A queda abrupta na mortalidade do AVE, observada nos anos 70, abrandou-se durante o início dos 80 nos Estados Unidos. Nesse período, o tratamento da hipertensão foi menos efetivo108 e a mudança nos níveis de pressão arterial, fumo e colesterol sérico foram, então, pequenos. De 1987 a 1992, os níveis desses fatores de risco diminuíram mais rapidamente, exceto para o fumo entre as mulheres. A diminuição da mortalidade do AVE ajustou-se às alterações de prevalência desses fatores de risco. Um aspecto extremamente importante levantado pelos estudos que avaliam o impacto da intervenção sobre fatores de risco é que não se pode garantir que a tendência de diminuição da mortalidade do AVE irá continuar indefinidamente. A queda apenas continuará se as medidas preventivas direcionadas para os fatores de risco primários, principalmente pressão arterial, forem efetivos105. A prevenção do AVE é uma obrigação que desafia todos os envolvidos com cuidados de saúde. Sua incidência está diminuindo dramaticamente nos 379 Chaves MLF Rev Bras Hipertens vol 7(4): outubro/dezembro de 2000 países desenvolvidos o que coincide com a emergência das estratégias de prevenção. Pode-se dizer que a hipertensão, o fumo, o diabetes e a dislipidemia são as bandeiras dos “Quatro Cavaleiros do Apocalipse” do acidente vascular encefálico109 e todos são responsáveis por arteriosclerose cerebral. Eventos isquêmicos transitórios são poderosos preditores Referências 1. Aring CD, Merrit HH. Differential diagnosis between cerebral hemorrhage and cerebral thrombosis. Arch Intern Med 56: 435-54, 1935. 2. Wolf PA, Kannel WB, McNamara PM. 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Anormalidades de coagulação e homocisteína se somam à probabilidade de AVE precoce, mas são fatores de risco potencialmente manejáveis113. Abstract Stroke: definition and risk factors Blood pressure and smoking are independent risk factors for stroke for both genders. The association between blood pressure and stroke is not linear, and systolic blood pressure was a stronger predictor than diastolic blood pressure. The relative risk for stroke is around 4 for male patients with diabetes 6 for women. Incidence rates of first ever stroke adjusted for age and sex are twice as high in blacks than in whites, despite controlling for social class. High-dosage oral contraceptives carry a higher risk than the low dose formulations, irrespective of the type of progestin, but the absolute risk for stroke for modern oral contraceptives is small. A personal history of migraine is associated with increased risk of ischaemic stroke. The odds ratio for ischaemic stroke among migraineous women who smoke and take oral contraceptives was 34.4. Up to 40% of strokes in migraineous women develop directly from a migraine attack. Managing the risk factors for stroke, as hypertension, tobacco use, and hyperglycemia, reduces the risk of stroke. Changes in risk factors explained 71% of the fall in mortality among men and 54% in women. Continuous emphasis on promotion of healthier lifestyles and effective treatment for hypertension are essential to maintain the fall in deaths attributable to stroke. Keywords: Stroke; Risk factors. Rev Bras Hipertens 4: 372-82, 2000 4. Lhermitte F, Gautier JC, Deroussne C, Guiraud B. Ischemic accidents in the middle cerebral artery territory. A study in 122 cases. Arch Neurol 19: 248-56, 1968. 5. Foulkes MA, Wolf PA, Price TR et al. The Stroke Data Bank: design, methods and baseline characteristics. Stroke 19: 547-54, 1988. 6. Murray CJL, Lopez AD. 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Fonte:Arquivo em pdf que quiser mande mail que mando arquivo

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